Fitoterápicos AFRA
Medicina da floresta
"Diga, freguesa! Quer levar o cheiro-do-pará para dar banho nas crianças?", pergunta a vendedora Sueli Souza Silva, da barraca número 14, situada na ala das ervas do mercado Ver-o-Peso, em Belém, no Pará. Ela se refere à tradicional mistura de raízes aromáticas da região, usada para atrair bons fluidos. Ao lado do produto, vendido em pó ou em folhas secas, encontram-se outras espécies de plantas medicinais da Amazônia.
Abrigando 50% da biodiversidade mundial, a floresta guarda fórmulas para tratar diversos males. As receitas, muitas aprendidas com os índios, são passadas de pais para filhos há gerações. Tosse? Xarope (ou lambedor, como se costuma dizer por ali) de casca de copaíba. Cortes e machucados? Fricção com óleo de andiroba. Diarréia? Chá com raiz de açaí e marupazinho.
Para a farmacêutica Ivana Suffredini, doutora em farmacognosia (estudo de plantas para fins medicamentosos), a medicina caseira é uma alternativa terapêutica para as populações ribeirinhas. "Distantes, a maioria depende de transporte fluvial. Como nem sempre há médicos ou postos de saúde, a saída é adotar os recursos disponíveis", observa. Ivana faz parte da equipe coordenada pelo médico Drauzio Varella e patrocinada pela Universidade Paulista, que pesquisa novas substâncias na Amazônia para tratar doenças como o câncer.
Efeito comprovado
Mas as plantas têm realmente poder de cura? Estudos epidemiológicos estão confirmando as evidências, tanto as verdadeiras quanto as falsas, desses remédios. "Por trás de cada planta analisada, há uma história, uma herança cultural", explica o professor Wagner Luís Ramos Barbosa, chefe do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Pará (UFPA), que lidera um estudo etnofarmacêutico na região de Belém. A pesquisa é dividida em duas etapas: entrevista com as populações ribeirinhas e análise das plantas citadas em laboratório. "A documentação do conhecimento popular é importante para que as informações, transmitidas oralmente há décadas, não se percam", acredita. Em dez anos, cerca de 300 espécies utilizadas na fitoterapia popular da Amazônia foram catalogadas pela UFPA - dessas, dez tiveram a eficácia comprovada. Entre elas está o pariri, que possui efeito antiinflamatório e antianêmico.
É válido o crescente interesse na ação das ervas. Segundo pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 52% dos médicos brasileiros prescrevem ou endossam algum tipo de medicina alternativa para seus pacientes. Fatores econômicos também influenciam a pesquisa dos remédios naturais. O Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais estima que a indústria de fitoterápicos tenha movimentado cerca de US$ 500 milhões no ano passado.
Mal não faz?
Apesar da popularidade da fitoterapia, os especialistas alertam: é preciso desfazer o mito de que os produtos naturais são inócuos. "Costuma-se dizer que se não fazem bem, mal não fazem. Isso não é verdade", afirma a assistente social Urana Harada, especialista em terapias naturistas, que ministra cursos de medicina caseira e nutrição na Pastoral da Saúde de Belém. Ela cita a urtiga, usada para aliviar coceiras e erupções, mas que, dependendo da espécie, pode causar o efeito contrário.
A dona de casa Maria José Cardoso, natural do interior do Pará, raramente levava os cinco filhos ao pediatra. "Naquela época, só íamos ao médico quando as plantas não funcionavam", recorda. Os filhos cresceram, mas Maria José, que tem sete netos, ainda mantém uma horta de plantas medicinais no quintal. Ela aprendeu a ciência das plantas com a mãe, que era parteira. Hoje, observa que os mais jovens têm preconceito contra a medicina popular. "Mesmo assim, continuo preparando remédios naturais para a família. São receitas que curaram nossos antepassados", justifica.
Segundo o farmacêutico Barbosa, da UFPA, a tendência é que as ervas medicinais de uso comprovado sejam adaptadas aos padrões de vida modernos. "Em vez de preparar o emplasto em casa, por exemplo, a mãe pode ir à farmácia para adquirir uma pomada à base de produtos naturais de qualidade. Em resumo, a tecnologia está se unindo ao conhecimento popular para o benefício de todos."
Plantas que curam
Não é apenas em forma de chá que os remédios naturais são consumidos na região amazônica. Há também emplastos, banhos, compressas e gargarejos. "Vale lembrar que as pessoas podem responder de forma diferente aos medicamentos. O efeito depende da reação de cada organismo", diz a assistente social Urana Harada, especialista em terapias naturistas. Ela alerta, ainda, sobre os perigos da automedicação. "Orientação médica é fundamental antes de iniciar o tratamento com fitoterápicos", ressalta. Confira algumas das ervas que, ao lado das plantas que ilustram a matéria, estão entre as mais populares da região:
Pião-roxo Tem efeito antimicrobiano.
Cipó-pucá Para reduzir a concentração de glicose no sangue.
Curauá As fibras são utilizadas para a confecção de cordas. Já o soro da planta possui ação bactericida.
Marupazinho O chá dos bulbos combate diarréia e amebíase.
Andiroba O óleo é usado em fricções para reumatismo e erisipela.
Caxinguba Também conhecida por lombrigueira, tem ação antiparasitária.
Ipecacuanha De ação expectorante, é usado no tratamento de doenças pulmonares.
Carobinha Diurético e anti-reumático.